Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A atenção ao parto no SUS: a escuta materna no processo de avaliação
Suelen Beal Miglioransa, Cássia Regina Gotler Medeiros

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


Para falar sobre nascimento e parto é necessário considerar que este não deve ser visto apenas como um evento da medicina, mas sim como um evento em que a mulher é a protagonista e que leva em consideração aspectos fisiológicos, psicológicos e espirituais. A Política Nacional de Humanização - PNH (BRASIL, 2004), tem proposto novas metodologias de atenção e gestão às políticas, programas e estratégias existentes na saúde, prevendo a inclusão de todos os atores sociais envolvidos nos processos de atenção. No âmbito do nascimento a estratégia de saúde Rede Cegonha (BRASIL, 2011) propõe uma rede de cuidados que garanta assistência humanizada e de qualidade à mulher. A partir deste embasamento, a presente pesquisa teve como objetivo geral conhecer a assistência ao parto das gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (BRASIL, 1990) num município do interior do Rio Grande do Sul, realizando uma discussão e interlocução com o que preconiza a PNH e a Rede Cegonha. Considerou os seguintes objetivos específicos: (a) Investigar como se efetiva a atenção ao parto nesse município considerando as diretrizes do componente II – parto e nascimento, da Rede Cegonha; (b) Verificar o conhecimento das puérperas a respeito das rotinas e procedimentos realizados no ambiente hospitalar durante o trabalho de parto e parto; (c) Identificar os sentimentos das puérperas com relação ao seu parto; (d) Avaliar aspectos positivos e negativos relatados pelas puérperas em relação ao seu trabalho de parto e parto. Ao considerar-se a longa caminhada na implantação de uma atenção mais humanizada nos serviços de saúde e a proposta da inclusão de todos os atores sociais envolvidos nos processos de saúde (gestor-profissional-usuário), esta pesquisa torna-se relevante no momento em que possibilita a obtenção destes objetivos a partir do relato das usuárias do serviço, avaliando como se efetivam os cuidados em saúde e a atenção integral à mulher gestante e ao nascituro, podendo contribuir para a qualificação do componente II da Rede Cegonha .Realizou-se um estudo descritivo exploratório, de caráter qualitativo, por meio de entrevistas semiestruturadas com puérperas. As entrevistas foram realizadas com data e horário agendados, no domicílio das entrevistadas, conforme a sua disponibilidade. Foram respeitados os Critérios da Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sendo a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa a qual foi submetida. A metodologia de análise utilizada foi a análise de conteúdo (BARDIN, 2011). A partir da escuta foi realizada uma avaliação sobre as práticas institucionais na atenção ao nascimento, relacionando com o que preconiza a PNH e a Rede Cegonha. Os sujeitos entrevistados foram seis puérperas, com faixa etária entre 18 e 41 anos, que realizaram acompanhamento pós-natal no serviço público de saúde do município em estudo e que tiveram seus partos realizados pelo SUS na maternidade deste município, no ano de 2014.Emergiram das entrevistas três categorias de análise: Rotinas e procedimentos hospitalares; Percepções das puérperas sobre o atendimento da equipe; Sentimentos e crenças envolvidos com o processo de hospitalização. Nestas se observou, respectivamente, os diferentes procedimentos que as puérperas foram submetidas ao longo de sua internação hospitalar; o atendimento prestado pela equipe de saúde e o modo como este atravessa os demais itens de análise, procedimentos e sentimentos; e os sentimentos como o medo, a dor e o sofrimento, a felicidade e gratidão pelo nascimento, a ansiedade pelo encontro com o filho e a perda de identidade no ambiente hospitalar. A efetivação do atendimento prestado no espaço de cuidado e atenção ao parto, a partir das entrevistas, foi positiva. Porém, apresentou problemas que foram evidenciados por meio de queixas sobre os cuidados prestados, incômodos com procedimentos e rotinas. Foi possível, a partir do estudo, concluir-se que, no espaço avaliado, as práticas de atenção estão em dissonância com as recomendações de ambas as políticas e das leis orgânicas do SUS. Dentre as diretrizes do componente II – parto e nascimento, observou-se que o hospital de referência no município as cumpre parcialmente, em especial desconsiderando o que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como Boas Práticas de Atenção ao Parto. Vale ressaltar que na proposta deste estudo não foi considerado o acesso aos prontuários das entrevistadas e assim esta análise baseia-se exclusivamente nas escutas realizadas.  São as ações do componente II avaliadas: (a) suficiência de leitos obstétricos e neonatais: satisfatório, não houveram relatos de falta de leitos e não houve necessidade de uso de leitos de Unidades de Tratamento Intensivo adulto ou neonatal; (b) ambiência, de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 36/2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) que dispõe sobre Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal: cumpre-se parcialmente; (c) uso de práticas de atenção à saúde baseada em evidências científicas: foram cumpridas parcialmente as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS, 1996); (d) garantia de acompanhante durante o acolhimento e o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato: satisfatório; (e) acolhimento com classificação de risco: não foi possível avaliar; (f) estimulo à implementação de equipes horizontais de cuidado: não foi possível avaliar. As puérperas demonstraram grande desconhecimento sobre as rotinas e procedimentos que foram submetidas no ambiente hospitalar, o que problematiza a real inclusão de todos os atores sociais envolvidos, conforme a ferramenta da PNH. Quanto aos sentimentos das puérperas com relação ao seu parto, observou-se que este é um momento cheio de felicidade e gratidão pela chegada do filho, porém, considerando-se os entremeios das falas, em especial sobre os procedimentos realizados e atendimento prestado, às mulheres citaram sentimentos de medo, dor, ansiedade e perda de identidade. A interlocução do que emergiu das entrevistas das puérperas com a PNH e a Rede Cegonha, confirmaram que existem grandes desafios a serem enfrentados para a implantação de uma atenção mais humanizada e efetiva ao parto, sendo ainda longa essa caminhada. Porém, demonstra-se possível, na medida em que os espaços de atenção ao parto, como o hospital, forem compondo-se com a PNH desde sua atenção até a gestão. É necessário enfrentar as dificuldades que vão além de estruturas físicas, mas que dizem respeito aos processos de trabalho e equipe, a cultura organizacional e ao entendimento ético-político de como deve se efetivar a relação usuário-profissional-gestor.

Palavras-chave


Humanização da Assistência; Nascimento; Sistema Único de Saúde (SUS)

Referências


BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: 70ª edição, 2011.

BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e das outras providências. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei8080.pdf.

BRASIL. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

BRASIL. Portaria n. 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, a Rede Cegonha. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.

OMS, Organização Mundial de Saúde. Assistência ao Parto Normal: um Guia Prático, 1996. Disponível em http://www.abcdoparto.com.br/Assistencia/AssistenciaPartoNormal-OMS.htm.