Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
Centros de Convivência em saúde mental: “criando outras culturas”
Camila Donnola Vasconcellos, Francisco Verani Protásio, Petrônio Ornellas, Josiane Dantas

Última alteração: 2015-11-27

Resumo


O presente trabalho aborda o funcionamento do Centro de Convivência Oficinas Integradas, do município de Niterói – RJ, em sua esfera de ação na cultura. Partimos do pressuposto que a intervenção na cultura é central para a atenção psicossocial em pelo menos dois aspectos: de um lado, é parte da clínica dos usuários, permitindo que eles tenham novos interesses e novas perspectivas que não se restringem à doença e ao adoecimento. Por outro lado, a ação do Centro de Convivência pode representar uma intervenção potente no espaço da cidade, transformando o olhar que se tem sobre a loucura. O serviço é herdeiro do projeto Oficinas Integradas, que ocorria dentro do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba e atendia, sobretudo com a realização de oficinas, os usuários em situação de internação e aqueles contemplados pelo ambulatório que funciona dentro do hospital. A partir de 2012, a coordenação de Saúde Mental de Niterói entendeu que o trabalho precisaria sofrer alterações para estar melhor adequado às diretrizes da política de saúde mental em construção no município. Nesse redirecionamento do trabalho, o serviço se adequa à portaria 396/2005, que afirma que os Centros de Convivência e Cultura são “dispositivos públicos componentes da rede de atenção substitutiva em saúde mental, onde são oferecidos às pessoas com transtornos mentais espaços de sociabilidade, produção e intervenção na cidade”. A mudança, com a saída do espaço do Hospital Psiquiátrico, transforma também o foco do trabalho da equipe, que deixa de ser oferecer oficinas e atividades terapêuticas exclusivas, passa, então, a estar voltado para a formação de parcerias na cidade, com ateliês, centros de arte e de cultura. A partir desse momento, abrange os usuários de toda a rede de saúde mental de Niterói, e qualquer outra pessoa que procure o serviço é inserida nas atividades regulares, em grupos que não são exclusivos da saúde mental e nem têm objetivos terapêuticos em si mesmos. O eixo central do trabalho é menos o fazer como ele se apresenta no modelo de oficinas terapêuticas e mais o transformar no sentido de realizar atividades que tragam efeitos para os usuários, mas que também marquem a cidade de alguma forma. Isso significa que as atividades, que ocorrem em dispositivos culturais da cidade, são negociadas, a cada oportunidade que surge. Atualmente, realizamos uma reunião como eixo central das atividades culturais. O grupo chamou de “Arte e Expressão à Vista” esse encontro regular, que ocorre às terças-feiras, uma semana dentro do espaço do Centro de Convivência e na outra em algum dispositivo cultural da cidade, a partir de contato prévio. Sempre que possível, verificamos a possibilidade de realizarmos uma conversa com alguém da instituição para abordar os assuntos do interesse do grupo. Os locais de visita e encontro são decididos coletivamente em função de sugestões da equipe e dos usuários. A partir do grupo também são acolhidos os pedidos de inserção em atividades como desenho e pintura, em parceria com ateliês da cidade. São informadas as atividades da semana, as regulares – de música e esportes – e as específicas – saídas noturnas a shows, teatro, saraus de poesia e passeios aos sábados. Nossa intervenção se estende a cada novo curso, grupo ou oficina, cada teatro que o Centro de Convivência frequenta, cada passeio que é organizado, sempre pensando que em alguns casos, os usuários podem ir sozinhos ou acompanhados de suas famílias e que nosso trabalho se restringe a viabilizar essa ida, sem a necessidade de nossa presença física no momento de realização da atividade. A cada novo contato que realizamos, apresentamos nosso público, não pelo que marca sua diferença, mas pelo que temos em comum: interesses culturais, curiosidade, preferências. Com esse ponto de partida, as diferenças, que podem parecer imensas, são diminuídas. Na prática, eles participam ativamente de passeios, cursos, visitas, idas a apresentações e de outras atividades que cada um se interessar. Sempre em grupos pequenos, em uma estratégia de “infiltração” na cidade, como foi dito pelo diretor de um dos museus que frequentamos. A cidade vai se habituando a essa presença ainda incomum: pessoas às vezes com a aparência diferente, com roupas simples, que não estão acostumadas à rotina de um teatro e fazem perguntas nem sempre fáceis de serem respondidas. Construímos, assim, nossas intervenções, a partir de participações delicadas na cidade, com o objetivo de criar para nossos usuários maiores e melhores possibilidades expressivas, e intervir na cidade como espaço de ocupação, trazendo uma sensibilidade maior à diferença, um acolhimento ao inabitual. Um momento crucial e que exibiu com clareza os efeitos do nosso trabalho, foi uma roda de conversa que realizamos com artistas e em que cada um se apresentou. A primeira usuária a falar, afirmou “sou artista e usuária do Centro de Convivência”. A partir dela, os outros usuários, ainda tímidos, também faziam menção a sua participação nas atividades culturais do Centro de Convivência. A possibilidade de descolar a existência dessas pessoas do adoecimento apresenta-se como um ponto central de nossa atuação. Por outro lado, receber convites para frequentar atividades na cidade, ser reconhecido como local de referência para a circulação na cultura tanto pelos usuários quanto pelos equipamentos culturais, coloca-nos em outro lugar como espaço de tratamento. A própria noção de tratamento foi ampliada, não se trata somente de internar, medicar e cuidar do sofrimento dos usuários, mas também de garantir aquilo que é da ordem da saúde, de produtivo e de possibilidade expressiva para essas pessoas. O Centro de Convivência é um projeto que precisa estar constantemente em construção, seja porque ainda estamos iniciando em nossa compreensão do que ele pode representar no cuidado dos usuários, seja porque a cidade está em transformação em sua interface com a diferença. Esperamos que em breve os próprios usuários procurem os dispositivos para visitá-los sem nossa mediação e que os profissionais possam recebê-los independentemente de nossa presença. Consideramos que o cuidado com a saúde, a partir do entendimento de uma clínica ampliada, precisa ocupar um lugar central na prática de trabalho da saúde mental, colaborando com a potencialização de outros aspectos da vida dos usuários.

Palavras-chave


saúde mental; centro de convivência; atenção integral à saúde; cultura.

Referências


BRASIL. Portaria 396 de 07/07/2005.