Intervenção comunitária como prática de saúde: aproximações conceituais e metodológicas
Resumo
INTRODUÇÃO: O Projeto Fortalecimento de Redes de Ação Comunitária para Prevenção em DST/Aids: conhecer e intervir, desenvolvido no Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, articula extensão, pesquisa e inovação social, e se constituiu em uma intervenção comunitária (IC) cujo objetivo é desenvolver metodologias para reduzir vulnerabilidades às DST/ HIV/Aids em grupos sociais na comunidade de Mãe Luiza, Natal/RN. Em seu componente de pesquisa, desenvolveu o estudo Produção de práticas e saberes em uma intervenção comunitária para prevenção de DST/Aids entre adolescentes e jovens em uma comunidade popular. Este resumo refere-se a uma revisão bibliográfica sobre IC, que compôs parte do estudo visando responder à pergunta "O que é intervenção comunitária?". Para melhor compreender seus sentidos, definições, conceitos e aplicações a partir do levantamento da produção divulgada para delinear certo estado da arte sobre IC. MATERIAIS E MÉTODO: Trata-se de revisão bibliográfica realizada entre os meses de maio e julho de 2012, como parte do desenvolvimento do protocolo de pesquisa Cartografia de uma intervenção comunitária para prevenção das DST/HIV/Aids. A pesquisa bibliográfica envolveu a busca por documentos produzidos entre 1990 e 2012, a partir da expressão: "intervenção comunitária”: no portal da Biblioteca Virtual em saúde (BVS); no sistema de pesquisa do Google Acadêmico; nos sites virtuais de revistas científicas ou universidades; e no banco de dados de publicações periódicas da "Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES". Foram incluídas também algumas referências selecionadas anteriormente à pesquisa bibliográfica. Ao final da revisão 34 trabalhos foram selecionados. RESULTADOS E DISCUSSÃO I – Aproximações conceituais, princípios e perspectivas da IC Gonzales (3) conceitua IC como interferência que pode afetar os interesses de outros, para o bem e para o mal, apontando que a intervenção é técnica e política, realiza-se em um contexto histórico e particular, tomando contornos de forças sociais específicas. De acordo com alguns autores (4-7), intervenções são iniciativas deliberadas para introduzir modificações em realidades sociais, o que significa alguma forma de legitimação concedida ao agente de intervenção. Segundo a perspectiva ecológica (3, 8, 9), a mudança em um dos componentes do ecossistema levaria a mudanças em outros componentes, em uma interação dinâmica e ao longo do tempo. Na perspectiva sistêmica (10-13), a IC permite que membros da comunidade desenvolvam seus próprios mecanismos de apoio, tornando dispensável a intervenção e determinando sua continuidade ou não. Em uma perspectiva abrangente (14), a coordenação entre profissionais e comunidade aparece como solução viável para mudança social positiva, embora os contextos de intervenção não sejam uniformes, logo, os resultados podem ser diversificados, com efeitos desejados ou indesejados (15). O cuidado pode ser tomado como fundamento da IC (11), com reconhecimento e acolhimento do outro, respeito pelas suas fragilidades e valorização das suas potencialidades. Nessa perspectiva são princípios da IC a centralidade nos coletivos, na participação, nas relações igualitárias, no desenvolvimento humano, no trabalho desde a base, na integralidade, multidisciplinaridade e na promoção da integração social, com vistas a sua emancipação numa perspectiva construtivista (16-18). IC responde ainda aos princípios da Animação Cultural e Desenvolvimento Comunitário, promovendo pessoas no âmbito global do território, na perspectiva do multiculturalismo, entendido como acolhimento da diversidade de grupos culturais e superação de uma concepção elitista da cultura como consumo (19 – 21 ). II - Abordagens metodológicas de intervenção comunitária Para Correia (22), a IC é uma filosofia metodológica para implementação de "uma diversidade de metodologias interativas, experienciais, dinâmicas e que permite compartilhar para então aprender" (22 p. 4). No entanto, para González (3) a diversidade de concepções é um dos perigos que envolvem a eficácia da IC. Amâncio (23) aponta duas formas de intervenção: a convencional: tutorial, passiva onde a unidade de intervenção é a comunidade não diferenciada; e a participativa: educacional, ativa e através da identificação de grupos com interesses comuns, tal como o Modelo de Preparação Comunitária, que permite prever a efetividade e o êxito das intervenções tendo como foco o contexto comunitário, mapeando a organização de grupos, liderança e clima comunitário (14, 24). Sanchez (6) e Peres e Freitas (16) apresentam propostas metodológicas para IC composta de fases integradas que vão desde diagnóstico participativo, avaliação das características e necessidades da comunidade; desenho e planejamento da intervenção; avaliação inicial e final; execução e implementação; e disseminação dos resultados; numa perspectiva integral, dinâmica e inter-relacionada. Essas metodologias são bastante semelhantes à da Animação Comunitária (22), que usa o território como espaço educativo. A comunicação é destacada (25) como ferramenta importante para apoiar os processos de mudança social através da educação e formação de comunidade. Em uma experiência chilena com homens homossexuais (26), a mobilização comunitária teve como norte a promoção e o exercício dos direitos dos cidadãos, visando a autonomia para gerenciar e reduzir o risco individual ao HIV. Matos (4) apresenta alguns tipos de IC: o científico-técnico-funcionalista que privilegia a competência técnica dos agentes e soluções universalmente aplicáveis; o assistencial-prestacionista, onde instituições tornam público o seu envolvimento com a causa social, reforçando sua imprescindibilidade social e seu poder; e a intervenção cidadã, que articula ação e reflexão, respostas de ordem prática, política, ética e cultural, onde sujeitos são portadores de direitos (4). III - Experiências no campo da saúde: Grande parte dos trabalhos são da área da Psicologia e toma como base os marcos da Psicologia Comunitária (3, 6, 7, 15, 28), com objetivo de tornar os serviços ou organizações mais eficazes e menos produtores de estigmas, destacando tipo de abordagem realizada pelos profissionais, suas expectativas, vivência do tempo e que linguagem utilizadas influem na dinâmica e nos resultados da intervenção (11). Alguns trabalhos tomam a Atenção Primária em Saúde como locus privilegiado para realização de IC (29 e 30), e há um estudo de caso de intervenção junto à juventude (31) que demonstra como uma IC em pequena escala sobre determinantes sociais compartilhados funciona na prática. Alguns dos trabalhos utilizados nesta revisão (18, 26, 32, 33, 34, 35 e 36) foram desenvolvidos tendo como tema central as DST/HIV/Aids e abordam prevenção, redução de vulnerabilidades e garantia de direitos, envolvendo populações de risco acrescido como profissionais do sexo e usuários de drogas. Um dos estudos (33) aponta o fato que, embora as vulnerabilidades permaneçam, a prevenção pode tornar-se parte da cultura local. A sobrecarga dos profissionais de saúde é apresentada como limite importante para sustentabilidade da IC (35). Conclusões e perspectivas: A leitura e análise dos artigos selecionados mostraram uma diversidade de abordagens e modelos de intervenção comunitária. Consideramos importante a necessidade de estabelecer um diálogo aberto e produtivo entre as diferentes perspectivas metodológicas, a fim de delimitar as potencialidades e limitações de cada proposta de intervenção diante de distintos contextos - territoriais, culturais, políticos e econômicos - em cada comunidade. Espera-se que essa revisão possa contribuir na compreensão da IC como prática teórica, que utiliza ações e estratégias de produção do cuidado em saúde que envolvem os sujeitos integrantes da comunidade e externos a ela, estabelecendo-se como uma ferramenta potencial nos modos de produção de saúde.
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