Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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HUMANIZASUS: UMA REDE DE APOIADORES EM BUSCA DE UM SUS MELHOR
Catia Paranhos Martins, Cristina Amélia Luzio

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


A Política Nacional de Humanização – HumanizaSUS (PNH), criada pelo Ministério da Saúde em 2003, acumula experimentações, parceiros e produções ao longo dos anos. Na luta pelo direito à saúde de qualidade de todos e qualquer um/uma, os muitos apoiadores do HumanizaSUS, os trabalhadores do e pelo Sistema Único de Saúde (SUS), têm fomentado mudanças na atenção e na gestão na construção da saúde pública (BRASIL, 2010).Este trabalho apresenta uma síntese de nossa pesquisa para o doutoramento em psicologia, defendida na UNESP/Assis, intitulada como “A Política Nacional de Humanização na produção de inflexões no modelo hegemônico de cuidar e gerir no SUS: habitar um paradoxo”. Buscamos conhecer algumas inflexões que a referida Política produz nos sujeitos e no cotidiano do SUS, para entender os atuais limites e as possibilidades da saúde como direito de cidadania, uma das metas da Reforma Sanitária, a partir das narrativas dos apoiadores. Ao escutar e dialogar sobre as experimentações na PNH, uma questão nos norteou: como os muitos apoiadores desta Política compreendem o seu fazer no SUS? Utilizamos de pensadores da Filosofia da Diferença como Michel Foucault, Maurice Blanchot, Gilles Deleuze e Félix Guattari, e também da Saúde Coletiva, principalmente os alinhados com o HumanizaSUS, que nos auxiliaram na empreitada por enxergar os indícios tanto das capturas, quanto das formas de resistências. A perspectiva metodológica utilizada foi a cartografia e para a sua construção nos interessamos pelos encontros, histórias, situações corriqueiras de trabalho, assim como estranhamentos, questionamentos e embates que foram produzidos ao longo de nosso percurso no HumanizaSUS. Nessa cartografia partimos da premissa de que não há uma meta distante, esperando para ser descoberta e tampouco há uma suposta verdade a ser encontrada no final do percurso. Não há pesquisadoras que almejam a neutralidade, despidas de seus valores, olhando de fora e analisando um determinado objeto, mas sujeitos de pesquisa que se relacionam, estão implicados e se transformam durante o trajeto (MERHY, 2005; PASSOS et al., 2009). Assim, para contarmos fragmentos da história do HumanizaSUS muitas narrativas foram entrelaçadas. Os documentos oficiais, anotações de reuniões e inúmeras rodas de conversa através da experiência como consultora do Ministério da Saúde de 2010 a 2013, foram somados aos 78 documentos/narrativas finais de um curso da PNH na região Centro-Oeste e ao diálogo com 5 outros consultores. A pesquisa respeitou todos os preceitos éticos, sendo aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNESP/Assis, parecer n° 175.853.Organizamos a pesquisa da seguinte forma: construímos dois planos de análise que estão interligados e dialogam mutuamente. Fizemos um demorado passeio pela PNH, por momentos, acontecimentos e divergências que marcaram os muitos apoiadores. Problematizamos o HumanizaSUS como uma obra aberta e tarefa coletiva, que tem disputado espaço no Ministério da Saúde, no cotidiano dos serviços e na produção acadêmica. Os apoiadores trouxeram-nos ricos momentos em que fazem uma avaliação de seu trabalho no SUS e dos desafios encontrados nas experimentações da função apoio institucional, na ampliação da clínica e na democracia institucional. Somado às histórias do HumanizaSUS, construímos mais um plano de análise. Este percurso foi composto por um rápido passeio pelo SUS como campo de disputas em que a batalha pelo direito à saúde está longe de ser vencida, e pelos muitos "Brasis" e suas iniquidades. Problematizamos também o empobrecimento da vida e, por fim, demarcamos por quais concepções de saúde e de cidadania lutamos. A saúde, como bem de consumo e, de forma concomitante, como valor ético-político, configura-se como uma luta em andamento. Há uma situação paradoxal em que os movimentos reformistas e o campo de conhecimento da Saúde Coletiva possuem acúmulos concretos para mudar o perverso cenário nacional, embora falte alinhamento político para isso. Nesse jogo, temos o direito à saúde garantido na Constituição de 1988 com mais de duas décadas de investimentos públicos na construção da universalidade, equidade e integralidade. E, ao mesmo tempo, os inúmeros avanços produzidos pelos movimentos reformistas em saúde pouco conseguiram desestabilizar uma poderosa máquina formada por um Estado de privilégios, alinhada com os interesses econômicos do aparato médico-hospitalar, da indústria farmacêutica e da saúde suplementar, que crescem em um ritmo jamais visto. (CAMPOS, 2007; SANTOS, 2010; PAIM et al., 2011). O SUS, em que pesam as inúmeras críticas, também produz experiências cotidianas que são frutos de sujeitos comuns dando concretude aos princípios constitucionais. No dia a dia, uma rede de resistência é tecida e sustenta a saúde como valor. Essa rede de inúmeros anônimos produz um "SUS que dá certo" bem perto de nós. É notório que nem tudo o que é produzido pelo/no SUS seja sinônimo de avanços democráticos e de autonomia dos sujeitos envolvidos. Entretanto, há nessa experiência os indícios do projeto que faz do direito à saúde um valor que nos é comum a ser construído e partilhado com qualquer um/uma. Nas narrativas dos apoiadores temos os avanços e os retrocessos do SUS, um movimento potente que ecoa das lutas reformistas em saúde, mas que trava batalhas com os modos hegemônicos de cuidar e gerir e com a nossa incipiente democracia. É necessário manter a compreensão que há diferentes regimes de visibilidade já que os imperativos neoliberais reduzem a saúde a mais uma mercadoria disponível. Além disso, os direitos civis continuam marcados pela dimensão do favor e da caridade. Entretanto, os trabalhadores do e pelo SUS, muitos que também se intitulam apoiadores da PNH, têm promovido acontecimentos (DELEUZE e GUATTARI, 1992), ou seja, experiências singulares e que rompem a linearidade dos fatos, e sinalizam que há outras histórias a serem contadas e novas saúdes a serem inventadas, mesmo em tempos paradoxais como os nossos. Um apoiador sintetizou a sua compreensão do HumanizaSUS com a seguinte narrativa: "somos uma rede de apoiadores em busca de um SUS melhor". Consideramos assim que os muitos apoiadores do SUS tanto produzem, quanto se incluem nos movimentos coletivos por reinventar os modos de fazer clínica e gestão, dando-nos indicativos de novas suavidades. Embora o jogo neoliberal seja insidioso, há uma rede tecida e aquecida pelos apoiadores que fortalece a saúde como valor e como dimensão de cidadania de qualquer um/uma (TEIXEIRA, 2003). 

Palavras-chave


HumanizaSUS; rede; apoio institucional

Referências


BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização – HUMANIZASUS. Documento base para gestores e trabalhadores do SUS. Brasília - DF, 2010.

MERHY, E. Saúde: A Cartografia do Trabalho Vivo. São Paulo: Hucitec, 2005.

PAIM, J.; TRAVASSOS, C.; ALMEIDA, C.; et al. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. THE LANCET. Saúde no Brasil. Maio 2011. Disponível em: <http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-574.pdf>. Acesso em: 10 maio 2014.

PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (Org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.

TEIXEIRA, R. Acolhimento num serviço de saúde entendido como uma rede de conversações. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Org.) Construção da Integralidade – cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: IMS-UERJ/ABRASCO, p. 49-61, 2003.

SANTOS, N. R. Posfácio. In: L' ABBATE, S. Direito à Saúde: discursos e práticas na construção do SUS. São Paulo: Hucitec, 2010.