Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Análise da Formação do Gestor de Serviços de Saúde em uma Universidade Pública Brasileira: (re)visitando o Projeto Político-Pedagógico
Mateus Aparecido de Faria, Analise de Jesus da Silva

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


A criação e implantação de cursos de formação de profissionais a nível de graduação para atuarem no campo da Saúde Coletiva vem sendo discutida na última década. Nesse contexto está o Curso de Gestão de Serviços de Saúde (GSS) da Universidade Federal de Minas Gerais. Nesse trabalho buscou-se identificar e analisar os modos pedagógicos da formação do estudante de GSS em dois eixos: Teorias Pedagógicas e Identidade Epistemológica. Como percurso metodológico utilizou-se a abordagem qualitativa pelo método da pesquisa documental, cujo suporte foi o Projeto Pedagógico do referido Curso, em suas versões de 2013 e 2008, além de documentos auxiliares como mapas semestrais de oferta de disciplinas e as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Administração e da área da Saúde. Sobre o eixo Teorias Pedagógicas, foi encontrada a constituição pedagógica tripla de ordem teórica: construtivista, encabeçada por Jean Piaget (explicitamente) e de competências, baseadas principalmente em Perrenoud (implicitamente); sociointeracionismo de Vygostky e libertadora, idealizada por Paulo Freire. Tal configuração é um desafio para a implementação cotidiana do Projeto Político-Pedagógico (PPP), já que ações baseadas na Pedagogia das Competências vêm estratificando e individualizando os profissionais em formação, indo contra o aspecto solidário intraclasse freireano. Além disso, a transformação social necessária à Pedagogia da Libertação e para a qual esta trabalha não é possível em um cenário didático em que se induz à formatação de uma massa de profissionais para adaptar-se às constantes mudanças no mercado de trabalho contemporâneo. Ainda sobre as Teorias Pedagógicas que embasaram a criação e orientam a prática docente no curso de GSS, deve-se atentar para a educação das relações étnico-raciais, a qual é delegada a outros espaços da UFMG que não os do próprio curso sob o nome de Formação Livre. Tal dispositivo pode ser visto como negação de um dever social da Educação Superior e confirmação de mecanismos de discriminação em instituições sociais, como a Universidade. Os resultados do eixo Identidade Epistemológica foram agrupados em três dimensões, a saber: GSS como pertencente à Área da Administração, GSS como pertencente à Área da Saúde Coletiva e GSS como pertencente à Área Multidisciplinar. No que se refere o curso de GSS como pertencente à Área da Administração, foram encontradas algumas pistas no Projeto Político-Pedagógico que indicam essa perspectiva como ligação histórica entre os cursos denominados de gestão – Gestão Hospitalar, Gestão Ambiental e Gestão Pública como exemplos, e o campo da Administração; a predominância do campo da Administração na oferta de disciplinas elencadas no Curso e o rol de competências genéricas semelhantes às esperadas de um egresso da graduação em Administração. Porém, entre as edições de 2008 e 2013 do PPP foi percebida a diminuição do alcance dos saberes da Administração, uma vez que o número de disciplinas dessa área foi diminuindo ao longo de tempo e o Conselho Regional de Administração recusou o registro dos egressos de GSS em seu sistema. Já a dimensão GSS como pertencente à Área da Saúde Coletiva tem como principais argumentos a corroboração científica sobre a natureza sanitarista do Curso em questão. Diversos estudos e processos sociais envolvendo a Saúde Coletiva a nível de graduação vêm considerando GSS como parte dos Cursos de Graduação em Saúde Coletiva (CGSC). No PPP, versão 2008, também havia citação da semelhança entre GSS e outros cursos que, atualmente, são CGSC como os ofertados pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). Tal citação foi retirada da versão de 2013, indicando uma ruptura com o movimento nacional. Outro ponto de destaque é a afirmação recorrente que o curso de GSS forma profissionais de saúde que têm como o sistema de saúde e as necessidades sociais em saúde seu principal foco de atuação. Tal objetivo é semelhante com os demais CGSC, corroborado por pesquisas que estudaram o PPP, discentes, docentes e coordenadores desses cursos. A última dimensão, GSS como pertencente à Área Multidisciplinar, não considera essa nova graduação nem pertencente à Área da Administração, uma vez que fazer a gestão do campo da saúde requer mais que os instrumentos e conhecimentos administrativos, nem à Área da Saúde Coletiva, por considerar que o bacharel nessa área tem atuação restrita ao subsistema público de saúde e não conjuga todas as competências necessárias para atender a necessidade de gestão da saúde no país. A perspectiva adotada nessa dimensão é o pioneirismo, onde o movimento é criar um novo espaço entre as áreas de conhecimento que abarca essas duas experiências de graduação em saúde. Entendendo que Administração não comporta todos os conhecimentos necessários para formação desejada e que a Saúde Coletiva possui outros objetivos que não, estritamente, a gestão dos serviços de saúde, o curso de GSS vem como vanguardista de seu campo de atuação no sistema de saúde nacional. Compreende-se que toda teoria é baseada em uma prática que, sendo teorizada, influencia outras práticas. No PPP não é diferente: considerado um guia para a formação profissional de trabalhadores e trabalhadoras, seu conteúdo deve convergir para a transformação social. Ao tentar, neste trabalho, responder quais teorias embasam a prática formativa no Curso de GSS e qual sua identidade epistemológica, presentes no PPP, que objetiva formar profissionais críticos para atuarem no SUS, pretendeu-se, também, interpretar uma construção materializada no passado, que influencia o presente e delimita o futuro. No primeiro eixo analisado, o cenário teórico-metodológico encontrado no objeto de estudo reúne quatro tendências pedagógicas explícitas e implícitas: renovada progressivista; histórico-crítica; transformadora e tecnicista. A partir disso, alguns questionamentos são levantados: como é possível conviverem de forma interdisciplinar tendo objetivos tão diferentes? Umas prevalecem sobre as outras? São consideradas parcialmente? São anuladas no cotidiano formativo? Já no eixo Identidade Epistemológica, a constituição de três grupos cujas opiniões divergem entre si pode gerar tanto o desmantelamento como a união da comunidade que sustenta o Curso - o que vai ditar essa história será o modo como serão conduzidas as discussões sobre o assunto. Isso se faz mais necessário quando se encara a perspectiva interdisciplinar de GSS. Sendo assim, todas as visões (baseadas em diferentes disciplinas) precisam ser reconhecidas como legítimas, sendo possível assim trocar experiências com a finalidade consensual do processo identitário. Esse estudo vem se agregar a outros sobre formação de profissionais na Área da Saúde Coletiva no nível de graduação, realizados desde a década de 1990, em uma perspectiva centrífuga, ou seja, de uma visão interna do Curso para o conjunto externo de atores que lutam pela consolidação desse profissional no SUS.

Palavras-chave


Identidade; Saúde Coletiva; Projeto Político Pedagógico; Gestão em Saúde