Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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O estudo das políticas públicas em teses e dissertações de três programas de pós-graduação em Saúde Coletiva: as referências bibliográficas
Gabriela R B de Andrade, Jeni Vaitsman, Eliane Hollanda, Sandra V Siqueira

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


Apresentação: Este trabalho apresenta resultados de uma pesquisa realizada na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz-RJ) no Programa de Pesquisador Visitante (Fiocruz/CNPq) e finalizada em 2015. São apresentados os objetivos, conceitos, métodos e resultados de uma etapa da pesquisa. Ao final, são discutidos os desafios metodológicos do estudo e são apontadas questões para pesquisas futuras. O objetivo da pesquisa foi conhecer como o tema Políticas Públicas tem ganhado expressão nos programas de pós-graduações em Saúde Coletiva no Brasil a fim de contribuir com o debate sobre a formação em Políticas Públicas e Saúde. A literatura tem indicado uma presença crescente de disciplinas e pesquisas voltadas para o estudo das políticas públicas nas pós-graduações (Hollanda & Siqueira, 2013) e uma fragmentação teórico-metodológica na abordagem do tema (Melo, 1999; Souza, 2003, 2007). A pesquisa fez um levantamento a fim de conhecer como o estudo das políticas públicas tem se dado no produto mais imediato das pós-graduações stricto sensu: as teses e dissertações. O primeiro desafio foi conceitual, no sentido de definir os estudos em políticas públicas alvo no estudo já que tanto o campo da Saúde Coletiva quanto o campo das políticas públicas, além de imbricados historicamente, se caracterizam pela multidisciplinaridade e pela diversidade conceitual e metodológica o que coloca desafios para qualquer pretensão de uma delimitação precisa (Arretche, 2003; Marques & Faria, 2013; Vaitsman et al., 2013a, 2013b). Para as finalidades da pesquisa definiu-se ‘estudos em políticas públicas’ como aqueles que se voltam para o estudo das fases de uma política pública: agenda, formulação, implementação e avaliação. As políticas públicas enquanto disciplina e campo de estudos, remetem à tradição de estudos inaugurada por Laswell na década de 1950 procurando responder à questão de o quê os governos fazem e como fazem. O campo de estudos em políticas públicas nasce, portanto, como Ciência Política e se diferencia dela incorporando uma série de ferramentas teóricas e metodológicas de outras disciplinas a fim de dar conta de seu objeto. Uma gama de pesquisas e teorias volta-se para o estudo das políticas públicas, inclusive discordando da ideia de que esse processo pudesse ser dividido em fases (Viana, 1996). No Brasil, os estudos sobre o ‘Estado em ação’ e sobre o fazer políticas públicas se iniciaram, com maior intensidade, na década de 1970, a fim de “construir modelos explicativos para as diferentes fases ou etapas das políticas públicas, com especial ênfase nas fases de formulação e implementação, procurando apreender a dinâmica que articula as várias fases do ciclo de vida de uma política” (Viana, 1996, pg.6). Aqui, os estudos em políticas públicas se desenvolveram de forma multidisciplinar, não tendo se estruturado, como em outros países, a partir de disciplinas e escolas específicas para a formação em políticas públicas. Nesse sentido, cabe perguntar como a formação em políticas públicas no campo da Saúde Coletiva vem incorporando as abordagens do campo de políticas públicas, que em alguns contextos internacionais se conformaram a partir de disciplinas específicas (Howlett et al., 2009). Método: As teses e dissertações estudadas foram defendidas entre 2010 e 2011 em três programas de pós-graduação stricto sensu em Saúde Coletiva de expressão no Brasil. Foram considerados o título, as palavras-chave e o resumo para selecionar as teses e dissertações de acordo com o recorte temático definido. As referências bibliográficas de cada trabalho foram classificadas de acordo com cinco grupos pré-definidos, com o objetivo de delimitar o uso de bibliografia específica em políticas públicas. Entre 92 trabalhos selecionados, 35 foram teses e 57 dissertações. Foram classificadas 7.296 referências bibliográficas (artigos, livros e capítulos de livro), uma média de 58 por dissertação e de 113 por tese. Foram excluídas da classificação leis, normas, relatórios técnicos, reportagens, entre outros. As referências foram classificadas em cinco grupos definidos a partir de parâmetros disciplinares e teóricos tais como os definidos por Canesqui (2011), Deslandes & Iriart (2012), Minayo, (2013), entre outros. Os grupos foram: (1) Ciências Sociais e Humanas; (2) Ciência Política; (3) Políticas Públicas; (4) Saúde Coletiva; (5) outros. No ‘grupo 1’ entrou a bibliografia sobre Educação, Direito, Administração, Psicologia, Filosofia, Geografia, Antropologia, Arquitetura, Ciência da Informação, Comunicação, Demografia, Economia e Serviço Social. No ‘grupo 2’: instituições políticas, partidos, ideologia, atores e instituições político-partidárias; formação, estabilidade e mudança nas instituições políticas, comportamento político e estruturação de preferências eleitorais; correntes teórico-metodológicas da Ciência Política. No ‘grupo 3’: processos decisórios, formulação, implementação e análise de políticas públicas, teoria das políticas públicas, variações na expansão das políticas sociais e no escopo dos welfare states (tipologias) e avaliação (não normativa) de políticas públicas. No ‘grupo 4’: história da saúde pública, epidemiologia, medicina social, planejamento em saúde, eficácia e qualidade dos serviços públicos. No ‘grupo 5’: clínica médica e estudos clínicos. Resultados Classificou-se como sendo bibliografia específica em Políticas Públicas, 6% (n= 441) das referências bibliográficas; como ‘Ciências Sociais e Humanas’, 41% (n=2.975) das referências; em ‘Saúde Coletiva’, 42% (n=3.050) das referências; como ‘Ciência Política’ 4,6% (n=337) e, em ‘outros’, 6,8% (n=493). Neste último grupo entraram, na sua maioria, artigos sobre clínica médica e estudos clínicos. Entre as dissertações, 47% (n=27) não tiveram referência bibliográfica classificada em ‘Políticas Públicas’ e, entre as teses, somente uma. Os doutorandos, portanto, tendem a se apropriar mais dessa bibliografia específica do que os mestrandos, o que era esperado, devido ao maior tempo e profundidade teórica exigido neste nível de formação. Os resultados atestam a diversidade disciplinar do campo da Saúde Coletiva, que é expressão tanto de uma multidisciplinaridade quanto de uma fragmentação características desse campo. Ainda que dentro do universo considerado, o peso da bibliografia classificada como ‘Políticas Públicas’ tenha sido pouco expressiva dentro do conjunto de bibliografias classificadas, viu-se que ela está presente em mais da metade das dissertações e em quase todas as teses. Considerações finais: Esta pesquisa classificou e quantificou a bibliografia de teses e dissertações de pós-graduação em Saúde Coletiva. No entanto, não foi possível conhecer, com esta metodologia, o aproveitamento da bibliografia no interior dos trabalhos e demais aspectos relativos à consistência e à diversidade teórico-metodológica dessa produção.  Procurou-se classificar uma diversidade quase inclassificável. As fronteiras disciplinares são fluidas e, em alguns casos, houve algum grau de arbitrariedade nas decisões por um ou por outro grupo. De qualquer modo, trata-se de uma primeira aproximação a ser refinada e complementada por uma abordagem mais qualitativa que possibilite revelar o que vai ‘por dentro’ de cada grupo, principalmente no das políticas públicas. Por fim, o estudo de teses e dissertações tem o potencial de contribuir com o debate sobre a formação nas pós-graduações, por tratar-se de produtos disponíveis, aprovados, validados institucionalmente e que refletem, em grande medida, o percurso feito pelos alunos. Para isso, no entanto, será necessário, nas próximas pesquisas, ampliar o universo do estudo. Segundo o Caderno de Indicadores da CAPES em 2009 havia 32 Instituições de Ensino Superior com programas de pós-graduação em Saúde Coletiva, algumas, com mais de um programa.

Palavras-chave


políticas públicas; pós-graduação; saúde coletiva

Referências


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