Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
A PRODUÇÃO DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL INFANTO-JUVENIL: UM BREVE RELATO
BRUNA CERUTI QUINTANILHA, Meyrielle Belotti, Kelly Guimarães Tristão, LUZIANE ZACCHÉ AVELLAR

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


No Brasil a política de Saúde Mental Infantojuvenil foi, historicamente, formada de instituições filantrópicas ou privadas, tais como educandários, escolas especiais e intuitos para deficientes; estes, de modo geral, reproduziam relações tutelares. Apenas em 2003, o Ministério da Saúde, passou a formular de modo coletivo e intersetorial diretrizes para uma rede de assistência em saúde mental a crianças e adolescentes, com base comunitária e de acordo com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica. Os Centros de Atenção Psicossociais Infantojuvenis (CAPSi) passam, assim, configurar papel fundamental na rede de cuidados às crianças e aos adolescentes. Estes centros têm como função promover o cuidado em saúde por meio de atividades intersetoriais, coletivas e de cunho clínico. Os CAPSi trabalham sob a perspectiva da produção de autonomia do sujeito, incentivando ao máximo a inserção deste em atividades comunitárias. De acordo com a Portaria/MS nº 336 de 19 de fevereiro de 2002, os CAPSi se configuram como serviços de base territorial e planejados para cidades com no mínimo 200.000 habitantes. Estes são destinados a prestar assistência em casos severos e persistentes em saúde mental infantojuvenil, além de serem responsáveis por organizar a rede em seu território de abrangência. O município de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, inaugurou no ano de 2007 seu CAPSi, para atender às crianças e adolescentes com sofrimentos psíquicos severos e persistentes. No ano de 2012, foram iniciadas as atividades de um segundo serviço para cuidado em Saúde Mental Infantojuvenil, o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas Infantojuvenil (CAPSadi). Este tinha como foco o atendimento às crianças e adolescentes que faziam uso abusivo de substâncias psicoativas. Neste cenário, o referido município passa, a ser um dos poucos no país a ter institucionalizado um serviço específico para a população infantojuvenil, que faz uso de substâncias psicoativas. Contudo, no ano de 2013, o serviço é fechado e o atendimento a este público passa a ser feito no CAPSi. Deste modo, o CAPSi começa a atender uma nova demanda. Assim, o campo da pesquisa congregava um contexto institucional que prestava assistência a crianças e a adolescentes, tanto com sofrimentos psíquicos severos e persistentes, quanto para os que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas. O movimento de fusão de demandas, que ocorreu em Vitória/ES, coaduna-se com o estabelecido pela Portaria n.º 3088 de dezembro de 2011, que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que surge com o objetivo de favorecer a interlocução entre os componentes de rede de cuidado em saúde mental.  Assim, sua implantação visa criar, ampliar e articular pontos de atenção à saúde para sujeitos com sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas no âmbito do SUS. O cuidado em saúde mental infantojuvenil somado à temática do uso abusivo de álcool e de outras drogas é recente no campo da saúde mental.  Nesse sentido, aproveitando a recente fusão dos serviços em Vitória/ES, o presente estudo buscou conhecer as concepções dos profissionais sobre a produção do cuidado no contexto deste serviço. Para isso, seu objetivo consiste em compreender os significados conferidos pelos profissionais de saúde sobre a produção de cuidado em um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi). A pesquisa teve cunho qualitativo e utilizou-se a técnica de Grupo Focal. Foram realizados dois encontros com dois grupos de profissionais distintos, totalizando nove participantes. As perguntas-guia para a realização dos encontros foram: (a). Como foi o processo de fusão?; (b). Como o serviço está se organizando a partir da fusão? E (c). Quais as dificuldades nesse processo? Como resultado das discussões trazidas nos grupos, pudemos perceber que a fusão de demandas implicou também em junção de equipe de dois serviços. Os profissionais que compunham o CAPSadi foram em parte trabalhar no CAPSi e outros foram remanejados para demais serviços da Prefeitura Municipal de Vitória. Destacaremos aqui alguns pontos trazidos pelos profissionais em relação a este processo e ao cuidado prestado aos usuários e familiares. Os profissionais relatam que o processo de fusão gerou tensão e angústia neles, visto que teriam de se deparar com uma nova forma de organizar o trabalho. Isto tanto no que concerne à mudança na equipe profissional, quanto a ter de lidar com uma nova temática. Isto porque, os profissionais originários do CAPSi passaram a atender o público usuário de substâncias psicoativas. E os profissionais advindos do serviço de Álcool e Drogas, atender aqueles com sofrimentos psíquicos severos e persistentes. Em relação a isto, nota-se que estes últimos apresentaram menor preocupação do que os profissionais que anteriormente só atendiam o público com sofrimentos psíquicos severos e persistentes. Isto mostra que mesmo para os profissionais de um serviço de Saúde Mental a temática do uso abusivo de substâncias ainda se apresenta como tabu. Os profissionais relataram ainda que a fusão gerou apreensão para os familiares, principalmente, daqueles de crianças com sofrimentos psíquicos severos e persistentes. De acordo com os relatos, os pais e cuidadores das crianças ao reconhecer no serviço algum adolescente em uso de Substâncias Psicoativas, mostravam-se preocupados dos filhos conviverem com estes, vendo-os como ameaça. A equipe avalia ter conseguido contornar bem isto ao esclarecer a nova demanda do serviço e demonstrando para os pais que, os referidos adolescentes, também estavam no CAPSi em busca de cuidado e tratamento. Com isso, é possível verificar que os profissionais têm conseguido desempenhar o cuidado em saúde, conforme estabelecido na política de saúde mental. Em relação à fusão dos serviços, os profissionais não se posicionaram como contra ou a favor. Contudo, pontuaram o fato da clínica para os públicos ser diferente. Foi ressaltado por eles que a relação que os usuários com sofrimentos psíquicos severos e persistentes estabelecem como o CAPSi é diferente da que se forma com os usuários que fazem uso de álcool ou outras drogas. Segundo os profissionais, estes últimos têm o serviço como um ponto de apoio, um lugar em que se sentem seguros. Com isso, muitas vezes procuram o CAPSi para se afastar da violência do território em que vivem ou então poderem fazer uma refeição e tomar um banho. Ou seja, não vão necessariamente em busca de tratamento, mas os profissionais entendem estes momentos como importante para acolher, proporcionar escuta e construção de vínculo e cuidado com este usuário. Percebe-se, a partir dos encontros dos grupos focais, que a fusão dos serviços e equipes fez emergir algumas questões em relação à organização do trabalho e que estas precisam ser debatidas por todos os trabalhadores. Nota-se que, apesar das dificuldades elencadas para efetivação do trabalho, a equipe tem conseguido elaborar muitas ações conjuntas com os usuários e familiares que primam pela autonomia e cuidado com estes. O serviço tem também conseguido realizar algumas alianças com outras instituições e serviços da rede municipal. Desse modo, entende-se que, apesar de haver questões que precisam ser revistas entre a equipe, o processo de fusão não paralisou a produção do cuidado com as crianças, adolescentes e familiares que procuram o CAPSi de Vitória/ES.

Palavras-chave


Saúde Mental; Criança; Adolescente

Referências


Avellar, L. Z., & Bertollo, M. (2008) A saúde mental na infância e adolescência e o diálogo necessário entre as dimensões clínica, ética e política. In: Rosa, E. M., Souza, L., & Avellar, L. Z. Psicologia Social Temas em debate. Vitória: UFES – ABRAPSO: GM Editora, p. 68-87.

Brasil. (2005) Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infanto-juvenil. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 1(1), 3-76.

Couto, M. C. V., Duarte, C. S., & Delgado, P. G. G. (2008). A saúde mental infantil na Saúde Pública brasileira: situação atual e desafios. Rev. Bras. Psiquiatria. São Paulo, 30(4), pp. 390-398.

Favero-Nunes, M. A., & Santos, M. A. dos. (2010). Itinerário terapêutico percorrido por mães de crianças com transtorno autístico. Psicologia: Reflexão e Crítica23(2), 208-221.

Ronchi, J. P., & Avellar, L. Z. (2010). Saúde mental da criança e do adolescente: a experiência do Capsi da cidade de Vitória-ES. Psicologia: teoria e prática, 12(1), 71-84.