Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Formação Técnica de ACS: indagações e perspectivas em relação ao processo de ensino aprendizagem
Marcia Cavalcanti Raposo Lopes, Cristina Massadar Morel, Mariana Nogueira

Última alteração: 2015-12-06

Resumo


Este trabalho apresenta a experiência de formação técnica de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) em um curso ofertado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) a trabalhadores que já exerciam a função de ACS   nos municípios do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias. Temos como objetivo possibilitar o amadurecimento de discussões sobre o processo de ensino-aprendizagem de adultos, considerando a especificidade deste curso onde os estudantes já estão inseridos, há mais de oito anos, nas atividades para as quais estão sendo formados. Seguindo os princípios propostos pela EPSJV, o curso não busca simplesmente a formação técnica stricto sensu visando o desenvolvimento integral e ampliação da capacidade de análise crítica e intervenção na realidade de seus alunos. Assim, alarga-se o desafio da formação para além de processos de aprendizagem de técnicas a serem aplicadas no cotidiano do trabalho. Neste sentido, é ponto fundamental para o andamento do curso a construção de um espaço pedagógico em que a formação esteja atrelada à abertura de possibilidades de criação de novos olhares e valores e a constituição de novos territórios de atuação e de luta para estes alunos-trabalhadores. (Pereira et al., no prelo) Como parte da coordenação, acompanhamos o curso assistindo aulas de vários professores, participando das reuniões de Conselhos de Classe, seguindo o desenvolvimento dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), lidando e conversando com os alunos sobre situações de seu dia a dia durante cerca de um ano e meio. Além disso, uma de nós participou de um dos eixos do curso como professora, o que também permitiu um olhar estratégico de dentro do processo de ensino-aprendizagem. Como os diferentes problemas enfrentados pelos educandos, imbricavam as questões de cunho pedagógico próprias do curso com variadas questões de cunho profissional e pessoal, este processo permitiu uma grande aproximação da vivência dos estudantes neste período. Tivemos oportunidade de conversar com eles não só sobre suas experiências mais diretamente relacionadas com a aprendizagem conceitual dos alunos, mas também sobre suas experiências externas ao curso, suas estratégias de enfrentamento para circunstâncias de vida extremamente complicadas, acompanhando o desenvolvimento singular de cada um durante este tempo. Desenvolvido a partir de eixos temáticos que abordam os diferentes assuntos importantes para a formação técnica dos ACS, o Curso Técnico de ACS (CTACS) ofertado pela EPSJV, prevê na sua organização curricular oficina de leitura, oficinas temáticas sobre assuntos atuais, atividades de campo e de pesquisa além da redação e apresentação de um trabalho de conclusão de curso. Buscando integrar as diferentes discussões teóricas entre si e com as práticas realizadas no cotidiano, três preceptores acompanham a turma em diferentes aulas e propõem atividades específicas. As diversas situações vividas com os alunos, os debates em sala de aula, a busca de diferentes formas de apoiá-los nas variadas produções discursivas exigidas pelo curso e o constante desafio de incitar reflexões críticas sobre o trabalho e o contexto de vida que os unia nos instigaram a problematizar algumas questões sobre o processo de construção de conhecimento e transformação dos sujeitos e de suas práticas durante este percurso, que se coloca como de problematização, formalização, e reconstrução de conteúdos e experiências já presentes no dia a dia destes alunos. Entre os desafios que identificamos na realização do curso e no processo de ensino-aprendizagem gostaríamos de problematizar, em especial, os que dizem respeito ao domínio precário da leitura e da escrita, assim como os relativos à ampliação da compreensão crítica da realidade e das possibilidades de apropriação e produção singular de textos/conhecimento/diferentes práticas no trabalho. Além disso, tomamos também como objeto de análise neste trabalho a dificuldade de articulação entre os saberes construídos na experiência de vida e profissional, e a conceituação teórica apresentada pelos professores. No enfrentamento destas questões, tornou-se evidente a importância de, na atuação educativa com estes alunos trabalhadores, observar as relações entre aprendizagem, escolarização e cultura. Constatamos que as atividades de sala de aula como leitura de textos acadêmicos, elaboração de sínteses de ideias por escrito, construção de sequência de tópicos para planejamento de ações constituíam-se em desafios para os ACS. Estas atividades exigem familiaridade com procedimentos relacionados ao mundo escolar, que ativam a consciência dos próprios processos de pensamento (Kohl, 1995), o que não foi possível, a grande parte dos ACS construir, pela precariedade da formação anterior ou mesmo pelo fato de, na condição de adultos, estarem afastados da experiência escolar há bastante tempo. Estes procedimentos, desenvolvidos sistematicamente no espaço da escola, dão sustentação a uma maneira de pensar o mundo menos dependente da experiência imediata, característica do pensamento e do saber científico que fundamentam as práticas de saúde. Verificou-se que os alunos tendiam a manter como referência para a reflexão, o contexto da experiência pessoal imediata, não conseguindo, muitas vezes, desenvolver reflexões que fossem para além desta. O processo de apropriação de discussões trazidas pelo curso vai se construindo em função de situações vividas, mas com problemas para reconstituir a experiência segundo novos parâmetros. Este processo repercute na dificuldade em rever e ampliar formas de análise e de ação sobre a realidade, seja no trabalho seja no contexto mais amplo da vida. Neste ponto, julgamos que a dinâmica do trabalho com a educação popular nos permitiu avanços importantes. Além disso, foi possível perceber o árduo movimento dos alunos para problematizar situações e conceitos que envolvessem valores constituintes de suas formas de vida como os referentes a questões de gênero e religião, tão importantes para os que atuam na área da saúde. Problematizar assuntos que remexem em crenças fundantes das formas de pensar e agir dos estudantes e de seus grupos sociais envolve retirá-los de uma zona de conforto e ajudá-los a olhar com estranhamento o que lhes parece natural e verdadeiro. Processo difícil, que se percebe em movimentos de ida e volta, que invariavelmente tem dificuldade de se estabilizar em práticas diferentes das anteriores, mas que implica, de fato, em processos de desequilíbrio das certezas que sustentam essas últimas. Assim, o acompanhamento dos alunos e as diferentes estratégias utilizadas no curso nos permitiram nos aproximar das questões referentes ao ensino-aprendizagem de adultos trabalhadores e dos processos de construção subjetiva subjacentes a elas. Refletir sobre estas questões nos parece fundamental para pensar os caminhos da formação dos trabalhadores da saúde. Referências Bibliográficas: Kohl, M. Letramento, cultura e modalidades de pensamento. In Kleiman, A. (org.). Os significados do letramento. São Paulo: Mercado de letras, 1995. Pereira, I et al. Princípios pedagógicos e relações entre teoria e prática a partir da experiência de preceptoria na formação Técnica de Agentes Comunitários de Saúde. Trabalho, Educação e Saúde. No prelo.

Palavras-chave


ACS, formação técnica, processo ensino-aprendizagem

Referências


Referências Bibliográficas:

Kohl, M. Letramento, cultura e modalidades de pensamento. In Kleiman, A. (org.) Os significados do letramento. São Paulo: Mercado de letras, 1995.

Pereira, I et al. Princípios pedagógicos e relações entre teoria e prática a partir da experiência de preceptoria na formação Técnica de Agentes Comunitários de Saúde. Trabalho, Educação e Saúde. No prelo.