Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
Saúde mental do estudante de enfermagem durante os primeiros contatos com a prática profissional: uma intervenção dialógica
Natali Portela, Cibele de Moura Sales

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


Para muitos jovens, a entrada e a permanência no ensino superior representam uma crise psicossocial. Algumas exigências da vida universitária são potencialmente desencadeadoras de adversidades que podem exercer influência negativa no aspecto emocional. Neste contexto, os graduandos em enfermagem estão entre os que mais apresentam sinais de sofrimento psíquico no enfrentamento de dificuldades relacionadas a atividades acadêmicas (CERCHIARI, 2004). Este aluno é frequentemente colocado em novos contextos na sala de aula, em laboratórios e na prática do estágio, porém nem sempre está amadurecido psicologicamente para as situações enfrentadas, principalmente os do segundo ano, quando normalmente iniciam-se as atividades práticas. Esta fase é potencialmente geradora de conflitos que podem repercutir negativamente não apenas na saúde mental do aluno como também na aprendizagem. Sensações de tensão, ansiedade e insegurança em relação a capacidade em desenvolver procedimentos, lidar com pacientes, familiares, docentes e equipes de trabalho são recorrentes entre estes acadêmicos. O contato com a doença, o sofrimento humano e a morte costumam despertar angústias e questionamentos em relação à escolha profissional. Estes estudantes percebem as limitações de sua atuação e de seus conhecimentos, sendo comum o surgimento de sentimentos de incerteza, decepção e impotência (NOGUEIRA-MARTINS, 2002). Trata-se de momento delicado da graduação que requer atenção e cuidado, haja vista a necessidade de valorização das dimensões éticas e humanísticas da formação. É relevante lembrar ainda que a enfermagem é uma graduação com uma extensa carga de atividades semanais, onde as queixas relacionadas ao cansaço físico e mental são frequentes. A construção das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Enfermagem foi influenciada pelas conquistas políticas da Reforma Sanitária brasileira e pela criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Deste modo, um dos princípios doutrinários do SUS, a integralidade, ganha relevância no processo de formação em enfermagem. As Instituições de Ensino Superior (IES) devem estar conscientes de seu papel para a formação integral do enfermeiro, que, segundo as diretrizes, ultrapassa a transmissão de conhecimentos técnicos, abrangendo a necessidade de desenvolvimento sociocultural e psicológico do estudante para que se atinja o perfil profissional desejado. Logo, neste primeiro contato com a prática em enfermagem esse aluno precisa ser acolhido integralmente, e não reduzido apenas a uma feição de sua dimensão humana ou a uma demanda específica, no caso, o seu saber intelectual. As conclusões de estudos sobre as experiências acadêmicas que interferem no equilíbrio psicoemocional do universitário indicam a necessidade da implementação de medidas que busquem a minimização de conflitos que incidem sobre a vida do estudante (BORBA, 1997; JONES e JOHNSTON, 2000; LUCCHESE e BARROS, 2002; KAWAKANE e MIYADAHIRA, 2005; MOSCARITOLO, 2009; DIAS et al., 2014; e outros). Desse modo, muitas universidades públicas brasileiras possuem algum tipo de assistência psicossocial voltada à comunidade acadêmica, e, desde 2004, somos responsáveis pelo Serviço de Atendimento Psicológico (SAP) ao corpo discente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS. Nestes anos de escuta clínica dentro de uma IES, pudemos acompanhar muitos destes conflitos psíquicos junto aos graduandos em enfermagem desencadeados pelo primeiro contato com a prática profissional. Consideramos o atendimento psicológico a estes estudantes de extrema relevância, contudo, não se trata de atividade curricular inserida no ensino, mas sim de uma oferta de assistência com limitações, que não consegue contemplar a todos. Neste trabalho, buscamos superar algumas limitações do SAP, construindo uma estratégia mais ampla voltada à saúde mental destes universitários. Visamos promover uma reflexão junto a alunos do Curso de Enfermagem sobre as experiências iniciais de contato com a prática, com ênfase na dimensão psicossocial, com o intuito de contribuir para a formação de um profissional de saúde crítico, reflexivo, humanista e mais fortalecido emocionalmente. Trata-se de uma pesquisa de mestrado em andamento, com metodologia participante e interventiva, onde serão produzidos encontros semanais com um grupo fechado de alunos da segunda série do curso de enfermagem da UEMS, com o intuito de formar rodas de conversa a respeito das vivências relacionadas aos primeiros contatos com a prática profissional. Faremos destas rodas momentos propícios à construção de um conhecimento a partir do próprio grupo, e de uma práxis social capaz de transformações. Os caminhos para a melhoria da saúde mental dos alunos de enfermagem serão uma produção coletiva, buscando a não hierarquização do saber especializado da posição de pesquisadora, e em concordância com os referenciais dialógicos que orientam o trabalho. O compartilhamento de experiências e a reflexão crítica da realidade (FREIRE, 1975) geram um caráter terapêutico e pedagógico nestes encontros, com potência a atuar positivamente na saúde mental dos alunos. O papel terapêutico acontece ao falar sobre os sentimentos, pensamentos e atitudes despertos por este período da graduação com colegas que se encontram em situação comum, em um ambiente confortável, de escuta, seguro e acolhedor, capaz de propiciar a interação uns com os outros e o estabelecimento de vínculos, permitindo identificações interpessoais e promovendo uma reflexão subjetiva que favorece a elaboração. A dimensão pedagógica está na ação de problematizar as experiências, no diálogo entre sujeitos que se colocam e, ao mesmo tempo, ouvem as falas dos outros que repercutem em cada um, sociabilizando saberes, promovendo uma discussão e reflexão conjunta de possíveis estratégias de superação e com vistas a uma formação mais autônoma. Desta maneira a aprendizagem torna-se um processo dialógico e horizontal, onde aprendemos a partir das relações que estabelecemos com os outros (PICHON-RIVIÈRE, 1998). Nossa experiência de mais de uma década a frente do SAP, em conjunto com a revisão de outros estudos desenvolvidos no Brasil e no exterior que tiveram como foco a saúde mental do estudante de enfermagem, fazem com que acreditemos que o resultado direto desta estratégia de intervenção em desenvolvimento promoverá uma maior confiança e autonomia nos alunos que estão iniciando o contato com a prática profissional, repercutindo positivamente em seu processo de formação. Além disso, os resultados dessa pesquisa podem ser utilizados para minimizar déficits existentes na relação estudante/instituição; para embasar avaliações e futuras melhorias da estrutura curricular e metodologias de ensino; para contribuir na criação de ações no cotidiano universitário a fim de torná-lo mais produtivo e menos ansiogênico e estressante; e para incitar no graduando de enfermagem uma reflexão sobre seu percurso acadêmico, que o auxilie futuramente nas complexas situações em seu ingresso no mundo do trabalho. Entendemos que um dos objetivos da graduação em enfermagem é produzir um profissional de saúde capaz de realizar uma assistência que compreenda o usuário de forma integral. Logo, é relevante que este profissional, em seu processo de aprendizagem, vivencie a integralidade em seu cotidiano na universidade, com estratégias pedagógicas que também considerem seus aspectos psicológicos e sociais. Assim, torna-se fundamental que os fatores emocionais ligados à prática assistencial de profissionais de saúde sejam percebidos e cuidados nas ações vinculadas ao ensino, construindo então um ambiente psicologicamente receptivo e acolhedor nas experiências em sala de aula e estágios, atenuando o estresse relacionado ao processo de formação. Esperamos que as conclusões deste trabalho desencadeiem reflexões e discussões entre todos envolvidos no processo de formação do enfermeiro a respeito das múltiplas dimensões que influenciam sua aprendizagem, e que devem ser consideradas, não apenas para que possamos formar um trabalhador de saúde comprometido com os princípios do SUS como preconizam as diretrizes, mas também um profissional realmente humanista, crítico, reflexivo e ético.

Palavras-chave


Estudantes de enfermagem; Saúde mental; Promoção da saúde; Educação em enfermagem

Referências


BORBA, M.R. Alunos e professora de Graduação em Enfermagem criando um espaço terapêutico: reinventando caminhos. 1997. 111f. Dissertação (Mestrado). Florianópolis (SC), Programa de Pós Graduação em Enfermagem/UFSC. 1997.

CERCHIARI, E.A.N. Saúde mental e qualidade de vida em estudantes universitários. Tese (Doutorado). 2004. 243f. Faculdade de Ciências Médicas. Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 2004.

DIAS, E.P. et al. Expectativas de alunos de enfermagem frente ao primeiro estágio em instituições de saúde. Revista Psicopedagogia, 2014, v. 31, p. 44-55. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v31n94/06.pdf >. Acesso em: 18 abr 2015.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

JONES, M.C.; JOHNSTON, D.W. Reducing distress in first level and student nurses: a review of the applied stress management literature. J Adv Nurs. 2000. Jul;32(1):66-74. Disponível em:<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10886436>. Acesso em: 14 maio 2015.

KAWAKANE, P.M.G.; MIYADAHIRA, A.M.K. Qualidade de vida em estudantes de graduação em enfermagem. Revista da escola de enfermagem USP, São Paulo, 2005, v.39, n.2, p.164-172. Disponível em: <http://www.ee.usp.br/reeusp/upload/pdf/19.pdf>. Acesso em: 31 maio 2014.

LUCCHESE, R.; BARROS, S. Grupo operativo como estratégia pedagógica em um curso graduação em enfermagem: um continente para as vivências dos alunos quartanistas. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 36, p. 66-74,  2002. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v36n1/v36n1a09>. Acesso em: 15 maio 2015.

MOSCARITOLO, L.M. Interventional strategies to decrease nursing student anxiety in the clinical learning environment. Journal of Nursing Education, 48(1), p.p.17-23, 2009. Disponível em:<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19227751>. Acesso em 15 maio 2015.

NOGUEIRA-MARTINS, M.C.F. Humanização das relações assistenciais: A formação do profissional de saúde. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2002. 2ª edição, 148p.

PICHON-RIVIÉRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1998.