Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Identidade profissional do sanitarista (de graduação)
Allan Gomes de Lorena, Marco Akerman

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


Em um discurso, Jürgen Habermas disse que “Toda obsessão tem raízes biográficas”. Explicava como sua história de vida direcionou e influenciou seus estudos. Tomando emprestadas suas palavras, posso dizer que também são biográficas as raízes de minha relação com a Saúde Pública e a minha experiência profissional-acadêmica é um fator decisivo para a escolha do presente trabalho, tendo como fio condutor a minha formação enquanto graduando em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). As experiências da Universidade Federal do Acre (UFAC), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e outras instituições de ensino superior demonstram que é possível formar sanitaristas na graduação, mas o objeto desta iniciação científica não é de discutir a possibilidade de a graduação formar sanitaristas, mas sim trazer o debate da identidade profissional. Nóvoa (1997) explica que "(...) a identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão". Muito se fala dos limites e possibilidades da graduação em saúde coletiva, a visão dos coordenadores sobre essa graduação, do romantismo dos cursos de graduação em saúde coletiva para o fortalecimento do SUS, mas, pouco se fala da identidade profissional dessa graduação. Nesse sentido, a pesquisa “em busca da identidade profissional da graduação em saúde pública/saúde coletiva: narrativas e reflexões de sujeitos implicados” teve como objeto investigar as distintas percepções dos estudantes de saúde pública da Universidade de São Paulo (USP) sobre suas identidades profissionais, mercado de trabalho e formação acadêmica. Trata-se de uma investigação qualitativa e exploratória organizada em três eixos: I. Informação bibliográfica e Saúde Pública, eixo que procura apresentar e discutir temas relacionados ao processo histórico relativo à consolidação do pensamento científico, constitutivo da ciência moderna, seus fundamentos ontológicos, epistemológicos e lógicos; II. Narrativas e sujeitos implicados, busca-se a garantia de um método científico inovador de cogestão do processo de trabalho colaborativo, compartilhando saberes, produzindo conhecimento e intervenção, ou seja, um eixo vivo da pesquisa cientifica. É destinado para os estudantes construírem suas narrativas, buscando explorar aspectos de interesse e que façam sentido para os alunos em saúde pública como: trajetória de vida na universidade, atividades realizadas na faculdade e experiências vividas na graduação; III. Identidade, Sociologia e Saúde Pública, eixo interdisciplinar voltado para a construção da identidade profissional do sanitarista a partir da produção científica de Claude Dubar, sociólogo francês que estuda identidade no trabalho. E Zygmunt Bauman, sociólogo polonês versando sobre as identidades no que denomina de modernidade líquida e Stuart Hall, sociólogo inglês que estuda as identidades culturais na interface da pós-modernidade. A identidade é algo que carregamos durante toda a nossa a vida desde o momento que nascemos até o momento que morremos, está sempre em constante metamorfose conforme vivemos e experimentamos a nós mesmos. Para Dubar (1997) as identidades que assumimos, se constituem em um movimento de tensão permanente entre os atos de atribuição e os atos de pertença. E, Bauman (2005), que na modernidade líquida, há uma infinidade de identidades à escolha, e outras ainda para serem inventadas. Já que Hall (2006) entende que uma identidade fixa e estável, foi descentrada, resultando nas identidades abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas, do sujeito pós-moderno. “A escolha por saúde pública se deu devido ao interesse pela área da saúde. A princípio, a definição do curso veio com a curiosidade do que se tratava efetivamente a ideia de saúde pública, foi como um tiro no escuro, sem a certeza do que se esperar de um curso novo” (Sanitarista em formação). “Acho que a minha história com a graduação é antes dela, quando fui estagiário da SESAP por dois anos. A experiência mais marcante naqueles dois anos foi trabalhar na divisão de atenção básica e em algum ponto da trajetória, estar próximo da divisão de atenção especializada, urgência e emergência, saúde da família e saúde bucal. Quando terminou o estágio e o ensino médio, queria fazer uma graduação “parecida” com a minha vivencia na SESAP. Conheci os cursos de saúde coletiva da UFPR, UFRGS e UFRJ, o que me fez pensar nesses vestibulares. Contudo, vi que a USP tinha aberto em seu vestibular o curso de saúde pública... achei interessante, parecido com o curso de saúde coletiva, gostei das disciplinas e decidi prestar o vestibular.” (Sanitarista em formação). As identidades que vão se constituindo nesse processo de dúvida e incerteza é apoiado na especificidade que cada ser conduz seus processos identitários oscilando como diz Dubar (1997) entre o estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural. No que concerne a construção de um mercado de trabalho para o graduado em saúde pública, Oliveira et al. (2013) diz que formalizado enquanto carreira, ainda não. O mercado de trabalho para as novas profissões é algo que surge paralelamente ao desenvolvimento dos cursos. Desta forma, o mercado de trabalho para o profissional de Saúde Pública está em construção [...] O campo da Saúde Coletiva carece de profissionais com formação ampliada de Saúde Pública/Coletiva, que trate a saúde em sua visão global e integradora e que seja capaz de dialogar com os demais profissionais da área da saúde. A minha experiência com a graduação sempre foi mais fora do que dentro, por entender que a saúde pública se faz fora da sala de aula. Quanto ao futuro profissional sou bastante otimista (talvez otimista até demais) quanto à inserção do sanitarista nos serviços de saúde. Ou pode dar muito certo ou pode dar muito errado, mas pela as minhas andanças e coisas que fui/vou fazendo, tenho boas expectativas. (Sanitarista em formação). Portanto, quando olhamos para a vida destes sujeitos dando atenção aos processos biográficos que estes/as mesmos/as se sujeitam a partir de suas escolhas, aptidões e vontades realizamos “a construção biográfica de uma identidade profissional e portanto social, os indivíduos devem entrar em relações de trabalho, participar de alguma forma das atividades coletivas em organizações, intervir de uma maneira ou de outra em representações. Esta perspectiva ancora a identidade na experiência relacional e social do poder e, portanto, faz das relações de trabalho o “lugar” em que se experimenta o enfrentamento dos desejos de reconhecimento em um contexto de acesso desigual, movediço e complexo ao poder” (Dubar, 1997). A identidade profissional do sanitarista é peripatética (Lancetti, 2006) praticada em movimento (...) bem como outras possibilidades de conexão com os fluxos da cidade e da cultura (...) talvez mais fluoxinária e rizomática, com seus processos de recomposição intensiva sempre em andamentos e abertos a exterioridade (...) centrada nos percursos, nas articulações com o fora, nas conexões, nos planos de consistência que se conquistam. É um “mundo dionisíaco do eternamente-criar-a-si-próprio, do eternamente-destruir-a-si-próprio (...) Esse mundo é a vontade de potência - e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência - e nada além disso!” (Nietzsche, 1978). 

Palavras-chave


Identidade profissional; sanitarista; graduação

Referências


BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2005.

DUBAR, C. Para uma teoria sociológica da identidade. Em A socialização. Porto: Porto Editora. 1997.

HABERNAS, J. Discurso de Agradecimento. In: FRANKENBERG, Günter; MOREIRA, Luiz (org.).  Jürgen Habermas. 80 anos: Direito e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.329-339.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, 11ª edição em 2006.

LANCETTI, A. Clínica peripatética. São Paulo: Hucitec, 2006.

NIETZSCHE, F. O eterno retorno. In: Nietzsche - Obras incompletas. Trad. , Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo, Abril, 1978.

NÓVOA, A. (org.). Os Professores e sua Formação. Lisboa: Dom Quixote, 1997.

OLIVEIRA, A.M.C; LORENA, A.G; ESTRELA NETO, F.S, DALLARI, S.G; IANNI, A.M.Z. Fomentando o debate sobre a graduação em saúde coletiva: o discurso coletivo dos alunos da graduação em saúde pública da Faculdade de Saúde Pública da USP. 13º Congresso Paulista de Saúde Pública. 2013.